sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Sobre a Renovação Carismática Católica - RCC

Muitos se questionam sobre a legitimidade da RCC e sobre os fenômenos associados a ela. Os carismas - tanto os ordinários como os extraordinários - nunca ficaram ausentes na Igreja, e sempre contribuíram para o seu crescimento. O que caracteriza a RCC é a experiência generalizada da presença do Espírito Santo, e a manifestação de carismas extraordinários – como profecia, falar em línguas, cura, etc.


Reconhecimento Eclesiástico

A RCC já foi reconhecida por dois Papas - Paulo VI e João Paulo II - como sendo um movimento da Igreja Católica. Na Conferência Internacional sobre a Renovação Carismática Católica em 19 de Maio de 1975, o Papa Paulo VI encorajou os participantes em seus esforços de renovação e, especialmente, em permanecerem ancorados na Igreja.
“Este autêntico desejo de situar-se na Igreja é o sinal autêntico da ação do Espírito Santo... Como poderia esta “renovação espiritual” não ser uma oportunidade para a Igreja e para o mundo? E como, neste caso, não esforçar-nos para garantir que ela continue assim…”
João Paulo II, por sua vez, foi mais explícito. Falando a um grupo de líderes internacionais da Renovação em 11 de Dezembro de 1979, ele disse,
“Estou convencido de que este movimento é um componente muito importante de toda a renovação da Igreja.” 
Observando que desde os seus onze anos de idade ele recitava uma oração diária ao Espírito Santo, acrescentou,
“Esta foi a minha iniciação espiritual, para que eu pudesse entender todos esses carismas. Todos eles são parte da riqueza do Senhor. Estou convencido de que este movimento é um sinal de sua ação.”
Por sua parte, o cardeal Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI), adicionou sua voz à de João Paulo II em reconhecer a ocorrência da Renovação Carismática como algo bom, e também para fornecer alguns cuidados, 
“No coração de um mundo imbuído de um cepticismo racionalista, uma nova experiência do Espírito Santo, de repente irrompeu-se. E, desde então, essa experiência tem assumido uma amplitude de um movimento de renovação em todo o mundo. O que o Novo Testamento nos diz sobre os carismas - que foram vistos como sinais visíveis da vinda do Espírito - não é apenas história antiga, pois mais uma vez torna-se extremamente atual.”
Falando sobre a Renovação e os poderes das trevas, ele disse,
“Qual é a relação entre a experiência pessoal e a fé comum da Igreja? Ambos os fatores são importantes: a fé dogmática não suportada pela experiência pessoal permanece vazia; uma mera experiência pessoal não relacionada com a fé da Igreja permanece cega.”
Finalmente, ele exorta, 
... para os responsáveis pelo ministério eclesiástico - de párocos aos bispos - para não deixarem a Renovação passarem por eles, mas para recebê-la totalmente. E para os membros da Renovação... para valorizarem e manterem a sua ligação com toda a Igreja e com os carismas dos seus pastores. [Renovação e as Forças das Trevas, Cardeal Leo Suenens (Ann Arbor: Servant Books, 1983)]

Graças Carismáticas

O Concílio Vaticano II afirmou a legitimidade dos carismas, tanto os ordinários quanto os extraordinários. Um carisma é simplesmente "uma graça dada gratuitamente por Deus para edificar a Igreja", em oposição às graças dadas para santificar um indivíduo. São Paulo dá uma lista dos carismas em (I Cor 12). Eles incluem carismas comuns como o ensino e a administração e os extraordinários como curas, milagres e línguas. Estas coisas por si só não tornam uma pessoa mais santa, contudo, elas capacitam a pessoa para o serviço. Finalmente, a autenticidade dos carismas devem ser discernidos, já que os carismas não são necessariamente do espírito de Deus (I Jo 4). O Conselho ensinou,
Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja. Não se devem porém, pedir temerariamente, os dons extraordinários nem deles se devem esperar com presunção os frutos das obras apostólicas; e o juízo acerca da sua autenticidade e recto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (I Ts. 5, 12. 19-21). [Lumen Gentium 12]
No passado, a Igreja condenou o que chamou de Pentecostalismo, entendido como a dependência total, até mesmo teológica, sobre a presença e manifestação dos carismas. Tal dependência é cega, pois não permitir-se ser guiada pelo completo conteúdo da fé e pelo o juízo do Magistério da Igreja. É total quando tais "dons" deslocam os meios da graça na vida do cristão, como os sacramentos. Por outro lado, a Igreja não pode condenar os carismas, uma vez que são parte do patrimônio de nossa fé apostólica. O que temos visto em nosso tempo, é a aparição da Renovação Carismática, e um derramamento aparente dos carismas extraordinários. Isto não significa que uma pessoa deva ser carismática, ou que os católicos carismáticos são melhores, ou que todo carisma alegada é autêntico. No entanto, como o Conselho tomou nota, a Igreja deve respeitar as obras de Deus, discernindo o autêntico do inautêntico.

Um carisma autêntico não levaria uma pessoa para longe da Igreja. Se um católico deixa a Igreja, a procura de um impulso emocional que ele já não encontra na Igreja, ele estaria buscando os dons do Doador e não Doador dos dons. A participação na vida da Igreja deve levar qualquer católico - carismático, tradicional, ou ordinário -  à um relacionamento mais profundo com a Eucaristia, Nossa Senhora e com o Papa. Se isso não acontecer, algo está espiritualmente errado, ou com o indivíduo em particular, ou com a orientação que ele está recebendo dentro de seu grupo. Uma vez que um carisma não concede a pessoa uma infalibilidade especial ou santidade, dado ao caráter extraordinário do dom, é necessário para os indivíduos que possuem tais carismas protegerem a pureza de sua fé, para que o orgulho, egoísmo ou emocionalismo não os desencaminhem, nem desencaminhem o outros. A realidade de que alguns deixaram a Igreja para o Pentecostalismo, ou procuram criá-lo dentro da Igreja, aponta alguns perigos. Por outro lado, a presença na Igreja de instituições dinâmicas e fiéis (ex: a Universidade Franciscana de Steubenville) é uma prova do grande bem que pode ser feito por aqueles agraciados com autênticos dons carismáticos exercidos em união com a Igreja.

Todos os carismas autênticos estão a serviço do Corpo de Cristo, a Igreja (I Cor 12, 14). Sendo dons do Espírito Santo, eles são graças sobrenaturais, ou seja, além do poder e da natureza humana (ex: operações de milagres), embora, alguns possam desenvolver-se sobre os talentos naturais do destinatário (ex: ensino). São Paulo contrasta estes carismas com "os melhores dons" da Fé, Esperança e Caridade (I Cor 13), que ele diz ter valor duradouro. Estas "virtudes teologais" unem a mente e a vontade de uma pessoa com Deus. Como consequência, a Igreja ensina que a Fé, Esperança e Caridade são necessárias para a salvação, mas os carismas não são. A experiência de São Paulo em Coríntio demonstrou bastante cedo na Igreja como esses carismas são susceptíveis ao exagero. Em outro contexto, ele chega a avisar Coríntio de que o diabo pode aparecer como um anjo de luz (II Cor 11, 14). Da mesma forma, ambos São Pedro e São João (I Pd 5, 8-9, I Jo 4, 1) nos alertam sobre esse perigo.

São Tomás de Aquino em sua Summa Theologiae [ST II-II q172 a2] nos diz que a menos que um carisma exija o exercício do poder divino, o Espírito Santo pode realiza-o através da mediação dos santos anjos. Quando os carismas estão dentro do poder da natureza angélica, eles também são capazes de imitação demoníaca. É difícil explicar o “poder carismático do discurso” de Hitler, por exemplo, por razões puramente naturais. É por estas razões que a maioria dos escritores espirituais, especialmente o místico doutor São João da Cruz, nos alerta para não buscar tal fenômeno extraordinário. Como observado anteriormente, o Vaticano II fez a mesma advertência na parte do seu ensino sobre os dons carismáticos.

Assim, a Igreja, por um lado reconhece que o Espírito Santo se move para onde Ele quer, e sendo assim ela não quer se opor a seu trabalho, e por outro lado, a Igreja deve discernir a autenticidade de cada carisma, para que não seja um engano da parte do maligno. Por esta razão, dizer que a Renovação Carismática é aprovado pela Igreja, não que dizer que seja uma aprovação global de todos os dons carismáticos alegados ou de todos os grupos ou indivíduos carismáticos dentro da Igreja. O discernimento da ação do Espírito Santo é uma necessidade em curso no seio da Igreja e dentro da Renovação Carismática.


O Discernimento dos Carismas

O apóstolo João nos encoraja a testar os espíritos (I Jo 4) e ao longo dos anos, a Igreja tem desenvolvido critérios para determinar se os frutos são bons ou maus (Mt 7, 15-20). São João ensina que se alguém nega que Jesus Cristo veio em carne (I Jo 4, 3) é a prova de que esta pessoa não possui o Espírito de Deus. Podemos chamar a isto de teste doutrinário do fruto. O Espírito de Deus nunca levaria alguém para longe da verdade sobre Cristo. Já que a Igreja é uma extensão do mistério da Encarnação, o Espírito de Deus nunca levaria alguém para longe da Igreja Católica e de Seus ensinamentos. Da mesma forma, o Espírito de Deus nunca levaria alguém a deixar de praticar a fé (moralmente, devocionalmente e sacramentalmente). Cristo deixou-nos os meios de salvação e Seu Espírito nunca nos privaria deles. "Nem todo aquele que me diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus" (Mt 7, 21). Falando positivamente, a atividade do Espírito Santo (inclusive entre os não-católicos) deve necessariamente tender a verdade Católica e a unidade (doutrinal e prática), não importando o quanto remota esta unidade possa parecer.

Por outro lado, um espírito capaz de reconhecer que Jesus Cristo veio na carne, é de Deus (I Jo 4, 2). A correção doutrinária é um motivo de credibilidade na autenticidade de um carisma ou evento. No entanto, uma pessoa pode simplesmente agir pelo espírito humano, fortificada pela fé, e não manifestar um dom extraordinário. Para determinar se um dado fenômeno ultrapassa a natureza humana é exigido um discernimento maior. Por exemplo, no caso de uma aparição, quando um bispo declara um evento para ser "digno de fé" ou "indigno de fé", ele o faz baseando-se tanto cientificamente (que pode ser explicado?) quanto teologicamente (é de Deus?). Assim, a ortodoxia é o início do discernimento necessário, não o fim.

Existe ainda uma outra dimensão do discernimento que precisa ser considerado. Uma vez que os carismas são dados para edificar a Igreja, não há nenhuma conexão necessária com a santidade pessoal. Santos, pecadores e até mesmo os incrédulos têm manifestado estes dons. O profeta pagão Balaão recebeu o espírito de profecia divina, a fim de autenticar Israel como Povo de Deus (Nm 22). Sendo assim, o estado moral do destinatário (bom ou mau) por si só não indicam um carisma verdadeiro ou falso. Quando um carismático encontra-se realmente sob o impulso do Espírito de Deus, ele não pode dizer ou fazer qualquer coisa contrária aquele Espírito. Ninguém poderia alegar por exemplo, que o Espírito de Deus levou uma pessoa a embriagar-se ou realizar qualquer outra coisa pecaminosa, mesmo que esta pessoa as tenha praticado em outras ocasiões.

Praticamente falando, muitos exemplos de carismas extraordinários dentro da Renovação Carismática nunca passaram por um exame minucioso e oficial da Igreja. Sacerdotes e leigos católicos associados à Renovação provavelmente terão de discernir cada instância, de acordo com os critérios teológicos da teologia católica e prudência. É mais fácil demitir um fenômeno como não sendo de Deus do que determinar as suas outras possíveis fontes (espírito humano ou divino). Algo possível de se perguntar e colocar em oração é "será que esse evento em particular é um exemplo de credibilidade da ação do Espírito de Deus - um Espírito incapaz de qualquer mentira ou pecado e que só pode levar as pessoas (mesmo os não-católicos) para uma fé mais profunda e Católica, e a uma maior unidade? " Isso já deve ser de grande valia para nos proteger dos leões que rugem (I Pd 5, 8), mesmo que não leve a produzir o juízo sobre a autenticidade do evento ou carisma - um fato que só a Santa Sé poderá afirmar em última análise.

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